Em 2014, o Brasil deu um passo significativo na busca por um modelo mais equilibrado de convivência familiar com a promulgação da Lei n.° 13.058, conhecida como Lei da Guarda Compartilhada. Após uma década, é importante refletir sobre os impactos dessa legislação no cotidiano das famílias, seu papel na pacificação de conflitos familiares, e os desafios ainda enfrentados para sua efetiva aplicação.
O que é a Guarda Compartilhada?
A guarda compartilhada é um regime em que ambos os genitores compartilham responsabilidades e decisões importantes sobre a vida dos filhos – como questões educacionais, de saúde, valores e lazer – mesmo após a dissolução da relação conjugal, promovendo o desenvolvimento integral da criança.
A lei determina que esse modelo seja a regra, salvo em casos em que um dos genitores seja considerado incapaz ou inapto para exercer a guarda do filho.
O principal objetivo da lei é assegurar o bem-estar das crianças, promovendo uma convivência saudável com ambos os genitores, garantindo, ainda, que os direitos e deveres parentais sejam equitativamente distribuídos.
Impactos Positivos da Lei
Desde a sua implementação, a Lei da Guarda Compartilhada trouxe avanços consideráveis:
- Equidade na Parentalidade: a legislação reforçou o papel ativo de ambos os genitores na criação dos filhos, combatendo a ideia de que a mãe seria a principal responsável pelos cuidados diários, já que ambos os pais são estruturantes da personalidade de seus filhos e, por isso, sua presença e vínculo não podem ser minimizados ou excluídos.
- Redução de Conflitos: ao equilibrar responsabilidades, a guarda compartilhada diminuiu disputas judiciais prolongadas e desgastantes, favorecendo o vínculo afetivo.
- Bem-Estar Infantil: estudos mostram que a convivência com ambos os genitores tem um impacto positivo no desenvolvimento emocional e psicológico das crianças, proporcionando-as maior segurança e estabilidade, garantindo-lhes o direito à convivência com seus genitores, estreitando seus laços afetivos.
- Maior Comprometimento Paterno: muitos pais passaram a se envolver mais ativamente na vida dos filhos, permitindo que as mães possam se desenvolver em outras áreas de suas vidas, como por exemplo a profissional.
- Coibir a Alienação Parental: a Lei da Guarda Compartilhada desempenha um papel crucial no combate à alienação parental, prática que pode causar danos psicológicos severos às crianças e adolescentes. A convivência com ambos os genitores é um elemento-chave para reduzir as chances de manipulação emocional e fortalecer os vínculos familiares, promovendo uma relação saldável e equilibrada entre os pais e filhos.
- Progresso nos Índices: segundos dados do IBGE referentes a 2014, em 85% dos divórcios a guarda dos filhos ficava com a mulher. Em 2022, a porcentagem caiu pela metade. Já o índice da guarda compartilhada passou de 7,5% para 37,8% dos casos.
Desafios e Críticas
Apesar dos avanços, a prática da guarda compartilhada ainda enfrenta desafios e críticas:
- Resistência Cultural: em algumas famílias, a ideia de compartilhamento equitativo de responsabilidades ainda é vista com desconfiança, especialmente em contextos antiquados em que os papéis tradicionais de gênero são mais enraizados, onde se enxerga a mulher como destinadas a cuidar dos filhos e da casa, e os homens como vocacionados a apenas prover o dinheiro.
- Conflitos de Alta Litigiosidade: a guarda compartilhada pode ser contraproducente em casos de conflitos intensos entre os pais, dificultando a convivência harmoniosa.
- Falta de Infraestrutura Judicial: nem sempre há suporte adequado para mediar, conciliar e supervisionar casos mais delicados, como os que envolvem alienação parental ou violência doméstica, faltando o apoio psicológico e social em número suficiente para atender num aspecto temporal e qualitativo as famílias que batem às portas do Judiciário, e que deveriam ser auxiliadas para desenvolver a capacidade mínima necessária para manter um relacionamento que assegure a seus filhos o direito de crescerem com a presença de ambos os pais e suas vidas.
- Questões Logísticas: A divisão equilibrada de responsabilidades pode ser um desafio quando os pais residem em cidades diferentes ou têm rotinas incompatíveis.
O Papel dos Advogados na Mediação Familiar
Advogados especializados em direito de família desempenham um papel crucial na aplicação da lei. Cabendo a eles:
Orientar os clientes sobre os direitos e deveres previstos na guarda compartilhada, prestando-lhes o apoio necessário.
Mediar conflitos para evitar litígios desnecessários, lembrando, sempre, que os genitores estão em momento difícil: o próprio divórcio, e as mudanças familiares que ocorrem.
Garantir o bem-estar da criança, que deve ser o foco principal em qualquer decisão, compreendendo efetivamente a importância do compartilhamento da guarda para os filhos e para a família.
Além disso, é essencial que os profissionais se mantenham atualizados sobre as decisões dos tribunais e mudanças na legislação para oferecer um suporte jurídico eficiente.
Perspectivas Futuras
Com 10 anos de existência, a Lei da Guarda Compartilhada já mostrou sua importância, mas ainda há muito a avançar. Políticas públicas que incentivem a mediação e conciliação, a conscientização sobre o tema e o fortalecimento da estrutura judicial são passos fundamentais para garantir que a legislação cumpra plenamente seus objetivos. A guarda compartilhada não é apenas uma divisão de tempo entre os pais, mas um compromisso com o desenvolvimento saudável das crianças, promovendo um ambiente de cooperação e respeito mútuo. Que os próximos anos tragam mais maturidade e eficácia à aplicação dessa importante lei.
Conclusão
Ao refletir sobre os 10 anos da Lei da Guarda Compartilhada, percebemos que, embora desafios existam, os avanços são inegáveis. A legislação representa um marco no direito de família brasileiro, priorizando o bem-estar infantil em prol do melhor interesse da criança, promovendo uma parentalidade mais equitativa, propiciando uma dupla referência na vida das crianças e adolescentes, ofertando-lhes segurança e afeto, bem como combatendo a alienação parental.
_________________________________
Publicado por Igor Florence Cintra, advogado especialista em direito de família e sucessões, graduado (2005) pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU, Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil (2007) e em Direito de Família e Sucessões (2010) pela Escola Paulista de Direito – EPD, e, cursando Pós-graduação em Holding Patrimonial e Familiar pelo Instituto de Direito Digital – IDD. Participação em diversos cursos e congressos, e sócio apoiador do IBDFAM.